Friedrich Engels — A Dialética da Natureza e o Materialismo Histórico
- carlospessegatti
- há 2 dias
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A ponte entre ciência, filosofia e política em um pensador muitas vezes subestimado

O Pensador nas Sombras do Gênio
Durante décadas, Friedrich Engels foi visto como o "segundo violino" ao lado do gigante Karl Marx. Essa imagem simplista o reduz a um mero auxiliar, um financiador, um editor zeloso. Mas Engels foi muito mais que isso. Ele pensou profundamente a dialética da natureza, lançou as bases do materialismo histórico junto a Marx e propôs análises originais sobre a origem da família, da propriedade privada e do Estado.
Em tempos onde a técnica é fetichizada e a ciência, cada vez mais, se divorcia da crítica social, revisitar Engels é redescobrir uma forma potente de unir os saberes fragmentados. Engels oferece uma leitura dialética da natureza e da sociedade que propõe um desafio ainda atual: compreender o mundo em sua totalidade — em movimento, em conflito, em transformação.
Engels e a Ciência: Uma Dialética da Natureza
Engels não via a ciência como um corpo neutro de verdades universais. Para ele, a ciência estava inserida na totalidade histórica e deveria ser compreendida a partir da dialética materialista — a mesma que regia os conflitos de classe e os processos sociais.
Na obra “Dialética da Natureza”, Engels tenta pensar a física, a química e a biologia segundo os princípios da dialética. A natureza, assim como a história humana, não é estática, mas sim um campo de contradições e superações. A evolução das espécies, a transformação da matéria, os saltos qualitativos — tudo isso era para Engels expressão da unidade dialética entre ser e vir a ser.
Sua tentativa de aplicar o materialismo dialético à ciência natural não era um simples exercício especulativo. Engels antecipava discussões que, mais tarde, seriam recuperadas por epistemólogos contemporâneos como Thomas Kuhn e Imre Lakatos, ao perceber que o conhecimento científico também passa por rupturas, revoluções e deslocamentos históricos.
A Origem da Família, da Propriedade e do Estado: A Arqueologia da Dominação
Em outra de suas grandes obras, “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, Engels propõe uma genealogia da opressão, articulando economia, estrutura familiar e poder político. A partir dos estudos antropológicos de Lewis Morgan, ele traça um panorama da transição do comunismo primitivo para as sociedades de classe.
Engels mostra que a família monogâmica, tal como conhecemos hoje, não é uma estrutura "natural", mas sim histórica, fundada na necessidade de garantir a herança privada dos homens — e, com isso, consolidar a dominação patriarcal sobre as mulheres. A opressão de gênero, portanto, tem raízes materiais.
A ascensão do Estado também é lida como um processo que visa gerir os conflitos de classe em favor dos detentores da propriedade. O Estado não é neutro, tampouco eterno. É uma forma histórica e transitória de dominação.
Materialismo Histórico: O Método da Totalidade
Ao lado de Marx, Engels desenvolve o materialismo histórico como método para compreender a história humana. Diferente das filosofias idealistas, que veem as ideias como motor da história, Engels propõe que as condições materiais da vida — a forma como os homens produzem sua existência — moldam suas ideias, instituições e culturas.
Essa concepção materialista exige uma leitura profunda das relações entre economia, política, cultura e ciência. Engels foi um dos primeiros a perceber que a história não é um conjunto de datas, mas sim um campo de lutas onde as contradições impulsionam a transformação.
Engels, o Elo Esquecido
Engels não é apenas um coautor do Manifesto Comunista. Ele é, sobretudo, o elo entre ciência, filosofia e política. Enquanto Marx mergulhava nas profundezas da crítica da economia política, Engels construía pontes com o pensamento científico, sustentava financeiramente o amigo, sistematizava escritos, escrevia panfletos e participava de organizações operárias. Foi, portanto, um militante filósofo-cientista.
Hoje, em tempos de crises ecológicas, colapsos civilizatórios e aceleração tecnológica, o pensamento de Engels se torna novamente vital. Sua tentativa de enxergar a natureza e a sociedade como totalidades em transformação pode inspirar uma crítica atualizada às novas formas de dominação e às ilusões do progresso técnico-desvinculado do humano.
A Ciência que Luta, a Filosofia que Transforma
Redescobrir Engels é recuperar um pensamento que recusa a fragmentação. É entender que a ciência, para ser emancipadora, precisa estar comprometida com a transformação social. Engels anteviu que a técnica, quando capturada pelo capital, se torna instrumento de opressão — mas que, liberta, pode ser também caminho para a emancipação coletiva.
Sua obra não é um resquício de um século passado, mas uma bússola para pensar os dilemas do presente com radicalidade crítica.
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