top of page
Buscar

Profetas do Engano: A Indústria da Manipulação e o Legado Crítico da Escola de Frankfurt

  • carlospessegatti
  • há 1 dia
  • 8 min de leitura



Como Leo Löwenthal e Norbert Gutermann desnudaram as engrenagens da retórica populista — e por que isso ainda importa


Introdução

Em um mundo saturado por discursos inflamados, fake news e demagogos digitais, a obra "Profetas do Engano" (1949), de Leo Löwenthal e Norbert Gutermann, ganha nova vida. Muito além de um retrato histórico do populismo radiofônico norte-americano da primeira metade do século XX, o livro oferece uma análise sofisticada e crítica dos mecanismos psicológicos, linguísticos e ideológicos utilizados por figuras públicas para manipular as massas. Trata-se de um marco do pensamento crítico da Escola de Frankfurt, cuja atualidade ressoa fortemente em tempos de bolhas digitais, líderes autoritários e crises políticas globais.


Os autores e seu contexto

Leo Löwenthal (1900–1993), sociólogo e filósofo alemão, foi um dos principais integrantes da Escola de Frankfurt, ao lado de nomes como Theodor Adorno, Max Horkheimer e Herbert Marcuse. Seu foco recaiu sobre a relação entre cultura, ideologia e sociedade, com especial atenção à literatura e à comunicação de massa.


Norbert Gutermann (1900–1984), menos conhecido, foi um intelectual francês de origem russa, tradutor e colaborador de diversos projetos do Instituto de Pesquisa Social. Gutermann compartilhou do esforço coletivo de entender como o fascismo, a propaganda e a alienação cultural surgiam e se fortaleciam nas sociedades modernas.


O livro foi escrito no exílio, durante a estadia dos pensadores nos Estados Unidos, onde observaram com preocupação o crescimento de discursos antidemocráticos, religiosos fundamentalistas e nacionalistas em solo americano — fenômenos semelhantes, em forma e conteúdo, aos que haviam alimentado o nazismo na Europa.


A obra: "Profetas do Engano"

Publicado originalmente em inglês como "Prophets of Deceit: A Study of the Techniques of the American Agitator", o livro analisa a retórica de agitadores norte-americanos — figuras como padres carismáticos, radialistas inflamados e líderes pseudopolíticos — que usavam os meios de comunicação para disseminar ódio, medo, teorias da conspiração e propostas autoritárias.


Löwenthal e Gutermann não nomeiam os "profetas" de forma direta no texto, mas estudiosos identificaram que entre os alvos da análise estavam figuras como o Padre Charles Coughlin*, um influente radialista católico com discurso anticomunista e antissemita.


Técnicas de manipulação

Os autores identificam e classificam diversas técnicas retóricas comuns entre esses agitadores, como:

  • Vitimização do ouvinte: O público é tratado como injustiçado, traído pelas elites, partidos e instituições.

  • Criação do inimigo simbólico: Sempre há um "outro" a ser combatido — judeus, comunistas, estrangeiros, a imprensa.

  • Promessa de redenção simples: Soluções fáceis e emocionalmente carregadas são oferecidas para problemas complexos.

  • Desprezo pela razão: A argumentação racional cede espaço ao apelo emocional, à repetição de slogans e ao culto à personalidade.


Esses elementos revelam um perfil psicológico e político autoritário, em que os agitadores oferecem a ilusão de uma comunidade purificada e restaurada por meio da obediência a um líder forte e moralmente "puro".


Atualidade: Profetas do engano em nova roupagem


Décadas após sua publicação, a obra permanece assustadoramente relevante. Os "profetas do engano" migraram do rádio para a internet, ocupando agora o YouTube, o TikTok, os podcasts e as redes sociais. Mudam os meios, mas as estratégias retóricas e os mecanismos emocionais continuam praticamente os mesmos.

Em tempos de:

  • populismos autoritários;

  • líderes carismáticos antissistema;

  • polarização política;

  • e conspirações digitalizadas,


A análise de Löwenthal e Gutermann fornece uma lente poderosa para entender como a linguagem molda a consciência coletiva e pavimenta o caminho para a intolerância.


"Profetas do Engano" não é apenas um estudo histórico; é um alerta contínuo. Löwenthal e Gutermann mostram que a manipulação ideológica não é um desvio patológico raro, mas uma possibilidade latente em qualquer sociedade de massas, especialmente quando há medo, frustração e ressentimento no ar.


Num momento em que o mundo precisa mais do que nunca de pensamento crítico, educação política e responsabilidade comunicacional, revisitar essa obra é um ato de resistência e lucidez. Os profetas do engano estão entre nós — mas agora, sabemos reconhecê-los.


🗣️ Citações impactantes da obra (traduzidas/adaptadas)

“O agitador não oferece soluções reais. Ele vende ressentimento.”— Löwenthal & Gutermann, Profetas do Engano

“A lógica do agitador não é da razão, mas da repetição. Ele seduz pelo ritmo, não pelo argumento.”— idem

“O inimigo precisa ser vago o suficiente para caber em qualquer rosto — e forte o bastante para justificar o ódio.”— Profetas do Engano

“Ele se apresenta como o único que vê a verdade, mas essa verdade é sempre um espelho deformado do medo coletivo.”— Löwenthal & Gutermann


——————————————————  X —————————————————


*SOBRE O PADRE Charles Coughlin


O padre Charles Coughlin é uma das figuras centrais no livro "Os Profetas do Engano" (The True Believer), de Richard Hofstadter, especialmente na análise do fenômeno do populismo autoritário, anticomunista e antissemitaque emergiu nos Estados Unidos no período entre guerras.


Embora o nome completo da obra que você está referindo pareça ser The Prophets of Deceit (1949), escrita por Leo Löwenthal e Norbert Guterman, vinculados ao Instituto de Pesquisa Social da Escola de Frankfurt (e não por Hofstadter diretamente), a descrição do padre Coughlin aparece justamente como um caso paradigmático de agitador político reacionário nos Estados Unidos, que mobiliza massas por meio de uma retórica emocional, conspiratória e profundamente excludente.


📌 Quem foi o Padre Coughlin?

Charles Coughlin era um padre católico canadense naturalizado norte-americano, que se tornou famoso nos anos 1930 com seu programa de rádio, no auge da Grande Depressão. Inicialmente apoiador do presidente Franklin D. Roosevelt e do New Deal, rapidamente tornou-se um opositor, defendendo ideias populistas de extrema-direita, disseminando teorias da conspiração antissemita e anticomunista, além de flertar com o fascismo europeu.


🧠 Na obra Profetas do Engano, como ele é analisado?


  1. Figura do “agitador”:


    Coughlin é caracterizado como um arquétipo do agitador de massas que não oferece soluções estruturais, mas canaliza o descontentamento popular para inimigos imaginários, como os judeus, comunistas, banqueiros ou elites corruptas. Isso se dá num momento de crise em que as pessoas buscam sentido e culpados.


  2. Linguagem e Estilo Retórico:


    Löwenthal destaca que esses "profetas" não se importam com coerência doutrinária, mas sim com a emoção transmitida, o tom messiânico e a criação de uma ilusão de comunidade e redenção nacional. Coughlin usava um discurso religioso mesclado com apelos nacionalistas e ressentidos.


  3. Conspiração e Vítima:


    O agitador, segundo a análise da Escola de Frankfurt, se coloca como porta-voz das “vítimas esquecidas” (o “povo”) contra uma suposta conspiração oculta e poderosa. Coughlin alimentava a crença de que os judeus controlavam os bancos e a mídia — ideias que ecoam com as estratégias de manipulação simbólica fascista.


  4. Anti-intelectualismo e simplificação:


    Outro traço forte é o anti-intelectualismo. Coughlin promovia uma visão maniqueísta da realidade: bem versus mal, povo versus elites. Essa redução da complexidade social a narrativas emocionais e dicotômicas é justamente um dos principais mecanismos de manipulação que Profetas do Engano denuncia.


 Relevância Contemporânea

Ler Coughlin através da lente de Löwenthal é perceber como as engrenagens do fascismo psicológico e cultural operam não apenas em contextos específicos, mas como padrões de manipulação do imaginário coletivo que se repetem em tempos de crise. Ele se torna um espelho retrovisor para fenômenos contemporâneos de líderes populistas midiáticos que utilizam o medo e a desinformação como ferramenta de poder.


📜 Trechos Selecionados e Análise


  1. A Linguagem Animalizante do Inimigo


    Os agitadores frequentemente desumanizam seus inimigos, comparando-os a animais repulsivos ou parasitas:


    "O agitador limita-se a imagens de animais 'não respeitáveis', roedores, répteis, insetos e germes. Ele fala de 'ratos alienígenas criminosos' e de 'ninhos de ratos bolcheviques'." 


    Essa retórica visa instigar medo e repulsa, facilitando a aceitação de medidas extremas contra os grupos alvo.


  2. A Construção de um Mundo Hostil


    Os agitadores pintam o mundo exterior como ameaçador, posicionando-se como os únicos capazes de proteger o povo:


    "O mundo exterior é pintado como hostil e cheio de inimigos... O agitador convence seu público de que precisa de sua orientação porque são vítimas, enganadas por uma 'conspiração política abrangente e cuidadosamente planejada'." 


    Essa narrativa reforça a dependência do público em relação ao líder, que se apresenta como salvador.


  3. A Ambiguidade do Antissemitismo

    Apesar de disseminar ideias antissemitas, o agitador frequentemente nega esse preconceito:


    "Uma argumentação convoluta é apresentada de que os judeus são perseguidos porque merecem perseguição, e além disso, que os judeus são os perseguidores. O antissemitismo é negado, pois o agitador afirma ser 'amigo dos judeus'." 



    Essa ambiguidade permite que o agitador alcance um público mais amplo, incluindo aqueles que não se consideram preconceituosos.


  4. A Figura do Seguidor

    Os seguidores são retratados como descontentes e vulneráveis à manipulação:


    "O seguidor é feito para acreditar que o inimigo só será vencido por meio de um movimento e seguindo as ordens do líder."



    Essa dinâmica cria um ciclo de dependência e reforça o poder do agitador.


🔍 Conexão com Charles Coughlin

Embora Prophets of Deceit não mencione explicitamente Charles Coughlin, suas técnicas e discursos refletem os padrões analisados por Löwenthal e Guterman.


Coughlin utilizava seu programa de rádio para disseminar ideias antissemitas e anticomunistas, posicionando-se como defensor dos valores cristãos e americanos. Sua retórica inflamava o medo e a desconfiança, características típicas dos agitadores descritos na obra.


——————————————————  X —————————————————

Agitadores Políticos: De Charles Coughlin à Era Digital


Reflexão contemporânea inspirada pela obra "Profetas do Engano", de Leo Löwenthal e Norbert Guterman


Durante a Grande Depressão dos anos 1930, o padre Charles Coughlin tornou-se um dos mais influentes agitadores dos Estados Unidos. Seu programa de rádio alcançava milhões de ouvintes, com mensagens que misturavam nacionalismo, moralismo cristão e teorias conspiratórias, em especial o antissemitismo. A obra Profetas do Engano (1949) de Löwenthal e Guterman analisou Coughlin e outros agitadores como arquétipos de um fenômeno que atravessa o século XX e, com novas roupagens, chega ao século XXI.


Permanências técnicas e retóricas

A técnica central do agitador não é oferecer soluções, mas operar sobre emoções e ressentimentos. Ele se coloca como "porta-voz do povo" contra uma elite abstrata e corrupta. Coughlin culpava os judeus, os banqueiros e os comunistas pelo sofrimento econômico, ao mesmo tempo que prometia uma purificação moral e espiritual da sociedade.


Hoje, vemos o mesmo padrão adaptado ao ecossistema digital:

Elemento técnico

Coughlin (1930s)

Contemporâneos (2010s-2020s)

Mídia de Massa

Rádio semanal a milhões

Redes sociais, YouTube, podcasts

Inimigo oculto

Judeus, comunistas, "traidores da fé"

Globalistas, deep state, imprensa, minorias

Moralismo religioso

Nacionalismo cristão

Evangélicos, defesa da família, cruzadas morais

Apelo emocional

Discurso simples, emocional, com repetições

Slogans virais, memes, frases de efeito

Anti-intelectualismo

Críticas a economistas e acadêmicos

"Contra especialistas", "opinião vale mais que estudo"

Ressonância com ressentidos

Discurso de revolta dos esquecidos

Apelos a trabalhadores, patriotas, "gente de bem"


Os novos Coughlins

  • Donald Trump utiliza uma retórica populista, antielitista e conspiratória. Os "inimigos" são os imigrantes, a imprensa, os democratas. A lógica é a mesma: construir uma narrativa de guerra cultural.

  • Jair Bolsonaro mistura moralismo religioso, anti-intelectualismo e culto à violência simbólica. Seu discurso também cria um "nós" puro contra um "eles" demonizado.

  • Javier Milei recorre ao discurso libertário agressivo, simplifica a realidade com slogans como "fora o Estado", e insere-se como figura messiânica contra o sistema corrupto.


Todos esses casos mostram que as técnicas descritas por Löwenthal continuam ativas: a manipulação simbólica, o uso do ressentimento como energia política, e a criação de uma narrativa emocional baseada na exclusão e na pureza.


A função da Arte Independente

Diante da proliferação desses discursos, a arte independente e crítica ocupa um lugar fundamental: não o de oferecer verdades prontas, mas o de desmontar os simulacros, de revelar o inconsciente ideológico que sustenta os mitos do populismo autoritário.


A música, a escrita, o cinema e outras formas de expressão podem propor novos sentidos, abrir espaços para o pensamento complexo, para a dúvida, para o desvio poético. Em tempos de algoritmos que premiam o falso e o agressivo, a arte é uma forma de resistência ontológica.



A figura do agitador descrita em Profetas do Engano é hoje uma máquina memética em tempo real. Ela opera pelas mesmas vias simbólicas, mas amplificadas por uma nova infraestrutura tecnológica. Estar atento a isso é também uma tarefa política. E cabe à arte, à filosofia e ao pensamento crítico ocuparem os espaços que escapam à linguagem do engano.


CALLERA, 2025


 
 
 

Comments


Site de música

callerajarrelis electronic progressive music

callerajarrelis Electronic  Progressive Music

bottom of page