top of page
Buscar

Jiddu Krishnamurti: A Travessia Interior

  • carlospessegatti
  • há 2 dias
  • 4 min de leitura

\
\

A importância de um pensador livre diante de um mundo aprisionado em suas certezas


"Não há caminho para a verdade. A verdade é uma terra sem caminhos."— J. Krishnamurti



1. Vida e Missão: do ídolo à libertação

Jiddu Krishnamurti nasceu em 1895 em Madanapalle, no sul da Índia britânica. Desde cedo foi notado por Charles Leadbeater, da Sociedade Teosófica, que alegou enxergar nele um "veículo" para o Instrutor do Mundo — uma espécie de Messias espiritual esperado pelas tradições esotéricas da época. Adotado por Annie Besant, presidente da Sociedade, Krishnamurti foi educado na Inglaterra e em diversos centros europeus, sendo moldado como figura messiânica para liderar uma nova era de iluminação espiritual.


Entretanto, em um gesto radical de liberdade e maturidade interior, em 1929 Krishnamurti dissolveu a organização que havia sido construída em torno dele — a Ordem da Estrela — afirmando:


“A verdade é uma terra sem caminhos, e o homem não pode alcançá-la através de nenhuma organização, nenhuma crença, nenhum dogma, nenhum sacerdote ou ritual, nem através de qualquer conhecimento filosófico ou técnica psicológica.”


Esse momento é o verdadeiro marco do nascimento filosófico de Krishnamurti como pensador independente. A partir daí, sua vida passou a ser dedicada à investigação da consciência humana, do autoconhecimento e da possibilidade de transformação profunda do ser humano — livre de autoridades espirituais, tradições ou sistemas.


2. “Viagem por um Mar Desconhecido”: cartografia da consciência

Essa obra, talvez uma das mais acessíveis e ao mesmo tempo mais profundas de sua bibliografia, é um convite à travessia. Krishnamurti propõe que vivemos todos dentro de um mar interior, povoado por medos, memórias, desejos, ansiedades e imagens de nós mesmos — uma vastidão de conteúdos psicológicos que confundimos com o “eu”.


O livro não segue uma estrutura tradicional de capítulos expositivos ou doutrinários. É um diálogo contínuo, orgânico, composto por palestras e conversas onde o autor provoca o leitor a ver diretamente a estrutura do pensamento.


Entre os principais eixos do livro:


a) O Observador é o Observado

Krishnamurti desconstrói a dualidade sujeito-objeto dentro da consciência. Segundo ele, o “observador” — aquele que diz “eu penso”, “eu sinto”, “eu devo mudar” — é feito das mesmas memórias, experiências e condicionamentos daquilo que ele observa. Assim, não há um “eu” separado da raiva, do medo, da inveja. A percepção clara disso dissolve o conflito interno e permite a transformação.


b) A Liberdade começa com a negação

Para Krishnamurti, a verdadeira liberdade não está em adotar novos sistemas de crença, mas em negar todas as formas de autoridade psicológica. Isso inclui religiões, ideologias políticas, gurus e, principalmente, o peso da memória como guia absoluto. Ao negar, não se trata de rebeldia niilista, mas de abrir espaço para o novo.


c) A atenção plena é a porta de entrada

A atenção — silenciosa, total, não-direcionada — é o modo como o ser humano pode se aproximar da verdade sem intermediários. Krishnamurti diz que a meditação começa com o simples ato de observar sem escolha, sem julgar ou controlar. A mente então se torna quieta, não por disciplina, mas por compreensão profunda.


3. Krishnamurti e a Atualidade: um farol para o caos contemporâneo

Em tempos marcados por polarizações, ruído informacional, crises ambientais e um sentimento generalizado de alienação, o pensamento de Krishnamurti ressurge com força renovada. Ao invés de oferecer fórmulas prontas ou utopias coletivas, ele aponta para a única revolução real: a revolução interior. Não como isolamento, mas como primeiro passo para uma nova relação com o mundo.


O pensamento crítico sem ideologia

Krishnamurti ensinou que a crítica mais radical nasce da ausência de apego às ideias. Em um mundo saturado por disputas ideológicas, seu chamado ao “ver claramente” — sem filtro ideológico — é um antídoto poderoso contra os dogmas de esquerda e direita.


Educação como despertar

Em diversas escolas fundadas com base em seu pensamento (como a Brockwood Park School, na Inglaterra), o currículo visa não só a excelência acadêmica, mas também o autoconhecimento, o diálogo profundo e a escuta sensível. Trata-se de uma educação para a liberdade, e não para a obediência.


4. Para o artista e para o místico: música, silêncio e o indizível

Creio que o pensamento de Krishnamurti ressoa de modo especial em minha busca estética e filosófica. A música, tal como ele compreendia a meditação, é uma linguagem do indizível. Ela não é forma de comunicação, mas de revelação — algo que toca diretamente a consciência, dissolvendo as palavras.


Krishnamurti dizia que o silêncio não é a ausência de som, mas a presença de uma mente que cessa seu movimento desordenado. Nessa escuta silenciosa, talvez surja a mesma dimensão que o som procura tocar quando se transforma em arte, em frequência, em vibração cósmica.


Navegar é preciso, mas sem mapa

Jiddu Krishnamurti não nos deixou uma filosofia para ser seguida. Ele nos deixou um espelho. E é justamente essa recusa em ser mestre que o torna tão atual.


Viagem por um Mar Desconhecido não é uma metáfora sobre o mundo externo, mas um convite para olhar o oceano interior — aquele que, quando bem navegado, transforma o mundo inteiro.


 
 
 

コメント


Site de música

callerajarrelis electronic progressive music

callerajarrelis Electronic  Progressive Music

bottom of page